Resenha sobre Identidade conceitual e Cruzamentos disciplinares
Postagem realizada em: 06/05/2018 às 14:41:18
Autor: Paulo Sergio Ramos da
Paulo Sérgio Ramos da Costa
Nº USP 1347617
Biblioteconomia – Matutino
RESENHA
PASSARELLI, Brasilina [et al.]. Identidade conceitual e cruzamentos disciplinares. In PASSARELLI, Brasilina; SILVA, Armando Malheiro da; RAMOS, Fernando (Org.). e-Infocomunicação: estratégias e aplicações. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2014, p. 79-121. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/277021707_Identidade_conceitual_e_cruzamentos_disciplinares>. Acesso em: 06 abr. 2018.
Trabalho desenvolvido para a disciplina de
Recursos Informacionais II
Profª Drª Brasilina Passarelli
Escola de Comunicações e Artes
Universidade de São Paulo
São Paulo
2018
2
A leitura deste texto, quando acompanhada da consulta ao outro texto1
disponibilizado pela professora da disciplina de graduação, ‘Recursos Informacionais II’,
para o delineamento desta atividade avaliativa, revela-nos que as duas fontes discorrem
sobre uma realidade congênere calcada em estruturas que – basilares – devem ser
esmiuçadas pelos estudos propedêuticos na área. Este texto, entretanto, postula um viés
mais aprofundado para algumas das questões já perscrutadas no outro, propagando uma
revisão bibliográfica de primacial relevância para alunos que se iniciam na convivência
de termos que emanam do cotidiano profissional biblioteconômico que haverá de vir.
De fato, o texto da docente e dos outros três cientistas de universidades portuguesas
revela um esforço definitório que preenche algumas lacunas deixadas pelo outro texto
(também chancelado pela marca autoral da professora). Há um esmiuçamento
terminológico consubstanciado pelo elencamento de autores renomados que – perfilados
– surpreendem o leitor que envereda pelos labirintos conteudísticos, causando-lhe
espanto, mas também propiciando-lhe um vislumbre da luz esclarecedora que advirá com
o exercício da militância profissional. Cumpre dizer que tal profundidade, tal
detalhamento vêm atender às demandas deste campo das ciências da comunicação e da
informação (CCIs), cuja identidade ainda está em processo de consolidação, procurando
suprir a carência de abordagens teórico-conceituais que venham a contribuir para a
afirmação da identidade disciplinar destas CCIs. Nesta época de hiperconectividade, em
que o hibridismo dos conceitos vem acompanhado da evolução e complexificação da
atividade científica em geral e das ciências sociais em particular, é mister que haja este
partilhamento de conceitos operatórios que estabeleçam relações clarificadoras para os
usos que deles façamos em sucessivas reflexões e pesquisas. De fato, a interpenetração
de duas entidades - como, por exemplo, “informação” e “conhecimento” – não deve
impedir-nos de distingui-las do ponto de vista ontológico, justificando, pois, o esforço
para a decodificação de conceitos axiais em estudos como estes aqui em voga:
Uma coisa é o conhecimento, entendido como os processos
(cerebrais) da cognição, outra coisa é o produto mental que
deriva desses processos cognitivos e que consiste em dar forma
(informar), em representar através de código(s) esse produto que
chamamos de “informação”. (PASSARELLI [et al], 2014, p. 88
– grifo nosso)
1 PASSARELLI, B. Mediação da informação no hibridismo contemporâneo: um breve estado
da arte
3
Neste ponto, cumpre citar a especificidade definitória dos dois termos aqui
arrolados à guisa de exemplificar/evidenciar a sua necessidade frente ao desconhecimento
do leigo que, por vezes, faz uso indiferenciado dos mesmos, embaralhando os conceitos.
[...] A informação “alimenta” o conhecimento e [...] a passagem de um
dado estado de conhecimento para outro estado em que se verifica um
acréscimo de conhecimento é feita graças a um incremento de
informação. [...] É também comum vermos ser estabelecida uma
diferença sutil, mas ainda assim relevante, entre “conhecimento
explícito” – aquele que aparece ‘inscrito (registrado) em forma escrita
(impressa ou digital), oral ou audiovisual’ (LE COADIC2, 2004) – e
“conhecimento tácito” – o que é de ordem subjetiva e não se explicita
através do registro material num suporte externo ao seu detentor. O
primeiro é consensualmente aceite como sinônimo de “informação” e,
como tal, objeto de trabalho de bibliotecários, documentalistas e
gestores de informação; o segundo é de ordem imaterial e, portanto,
menos objetivável, o que tem potenciado o aparecimento de expressões
como “gestão do conhecimento” ou “difusão do conhecimento”,
passíveis de traduzir atividades que visam a “transformação” deste
conhecimento tácito em conhecimento explícito (ou seja, em
informação), o qual, por sua vez, irá potenciar um incremento de
conhecimento em geral. [...] Se aceitarmos a definição de “informação”
atrás proposta, temos, quer no conhecimento explícito, quer no
conhecimento tácito, uma sintonia com as representações mentais e
emocionais codificadas, passíveis de serem registradas e comunicadas.
Temos, portanto, uma sinonímia que, a nosso ver, não deve ser expressa
por dois termos distintos e que só ganha com a unificação semântica no
vocábulo “informação”, reservando-se o termo “conhecimento” para
quando queremos significar “cognição” (processos cognitivos).
(PASSARELLI [et al.], 2014, p. 88-89)
Torna-se oportuno ressaltar que tal (con)fusão conceitual tende a ocorrer também,
quando realizamos o exercício definicional de distinguir claramente o conceito de
“comunicação” do de “informação”; estas duas entidades interpenetram-se e a
“comunicação”, sendo um ponto matriz na investigação sobre a sociedade
contemporânea, não pode ser obscurecida pelo conceito de “informação”.
No excerto copiado acima - cabe pontuar - há um recurso retórico de
pormenorização argumentativa que procura auxiliar a desobstrução conceitual. Tal nível
de detalhamento volta a ocorrer ao longo do texto resenhado, podendo ser visualizado,
por exemplo, nos fragmentos em que se desbastam os conceitos de “memória” e
“contexto”:
[...] O ato mnemônico fundamental é o ‘comportamento narrativo’ que
se caracteriza antes de tudo pela sua função social, pois que é
2 LE COADIC, Yves-François. A ciência da informação. 2ª ed. Brasília, DF: Briquet de
Lemos, 2004, p. 4.
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comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo (LE GOFF3, 1984 – grifo do autor), intervindo aqui a linguagem, também ela um produto social. (PASSARELLI [et al.], 2014, p. 90)
[...] Para combater essa ambiguidade semântica [...], alguns autores da ciência da informação [...] propõem uma definição instrumental: contexto será, assim, uma unidade agregadora de elementos materiais (um edifício, um ou mais aposentos, entre outros exemplos, que constituem o cenário para a ação infocomunicacional), tecnológicos (mobiliário, material de escritório, computadores, com ou sem ligação à Internet, etc.) e simbólicos (o estatuto e os papéis desempenhados pelas pessoas ou atores sociais) que envolvem o(s) sujeito(s) da ação infocomunicacional através de momentos circunstanciais definidos cronologicamente (a situação). (Id., Ibid., p. 91)
Registra-se concomitantemente, ao longo do texto, a demarcação de um perpassar histórico-temporal que torna inteligíveis certas configurações outrora esboçadas pelo primeiro texto de Passarelli. Ali, acontecimentos tangenciados discretamente ganham maior completude e inteireza aqui, na enunciação do presente texto autoral:
Distinguem-se, ao longo das duas últimas décadas (a última do século XX e a primeira do século XXI) duas “ondas” na sociedade conectada em rede [...] De 1995 até 2005, vivemos, no Brasil, a primeira “onda”, cujas atenções centravam-se, majoritariamente, nas políticas de acesso e fornecimento de infraestrutura para a mitigação da exclusão digital como caminho para a construção da cidadania nas populações de baixa renda [...] A segunda “onda” vem preocupar-se em desvendar e conhecer as literacias emergentes dos atores em rede, na sua diversidade e complexidade. [...] O Núcleo das Novas Tecnologias de Comunicação Aplicadas à Educação “Escola do Futuro – USP”, da Universidade de São Paulo [...] passa a [...] estudar o conjunto das novas práticas sociais no ambiente virtual e a produção individual e coletiva do conhecimento na Web 2.0. (Id., Ibid., p. 95-96)
A par disso, certas noções vão sendo postas em xeque por este caminhar evolutivo da sociedade e, irrompendo metamorfoseadas, acabam tipificando novas paragens terminológicas; como, por exemplo, no caso de “documento”:
O “produto” mental e emocional (informação) gerado no cérebro humano, pode (e normalmente é isso o que acontece) ser projetado/exteriorizado, através do registro (ou da inscrição) num suporte externo ao seu produtor e independente dele. Essa exteriorização não só potencia uma maior durabilidade temporal para a informação, como possibilita um uso recorrente da mesma, através de um acesso continuado, determinado pelas necessidades informacionais que se vierem a fazer sentir, quer por parte do produtor, quer por terceiros. O documento é, pois, um veículo, por excelência, para a
3 LE GOFF, Jacques. Memória. In ROMANO, Ruggiero. Enciclopédia Einaudi. Vol. 1 – Memória-História. Lisboa: Imprensa Nacional/Cada da Moeda, 1984.
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comunicação. (Id., Ibid., p. 92) [...] Essa unidade ou totalidade que materialmente não se separa ou fragmenta, mas que pode ser, de fato, dividida em duas partes distintas (informação/conteúdo; técnica/processo de registro mais suporte) tem vindo a ser questionada por alguns autores, quando a problematizam no âmbito da realidade digital, argumentando que não é apropriado continuar a falar em “documento”, uma vez que a complexidade tecnológica envolvida num sistema de informação digital transcende muito a simplicidade material do documento analógico. (Id, Ibid., p. 94) [...] O documento já não apenas um registro da informação, mas também simultaneamente um transmissor de informação. Assim, não deixando de ser o que era (informação registrada num suporte), o documento adquire novas funcionalidades que, afinal, não fazem mais do que potenciar a sua função comunicacional. (Id., Ibid., p. 95)
De fato, em nossa era da hiperconectividade, em que ganham corpo a hipertextualidade, a interatividade, a desterritorialização e a horizontalização das relações de poder, em que os indivíduos têm de ser capazes de comunicar-se nas e pelas novas linguagens e ferramentas tecnológicas, os dois textos de Passarelli dialogam entre si. Um reverbera no outro, visto que comungam de um ponto que lhes é inerente: ambos descortinam o panorama que subjaz à quarta Revolução preconizada por Luciano Floridi. Neles há o intuito de trazer à baila novas discussões, não apenas provendo novos conceitos, mas possibilitando seu uso de forma crítica, nutrindo, enfim, o estudioso e conferindo-lhe uma melhor portabilidade comunicacional e existencial no meio acadêmico.
Primeira Quinzena de Abril
Outono de 2018