Resenha: Literacias emergentes nas redes sociais: estado da arte e pesquisa qualitativa no observatório da cultura digital
Postagem realizada em: 16/06/2018 às 16:24:31
Autor: Lígia Mosolino de Carvalho
Resenha: "Literacias emergentes nas redes sociais: estado da arte e pesquisa qualitativa no observatório da cultura digital", de Brasilina Passarelli.
O mundo contemporâneo está vivendo uma rápida mudança, configurando-se em um novo tipo de sociedade, em um novo mundo que ainda não se estruturou totalmente, mas que se instala em um universo absolutamente diferente daquele que conhecíamos.
A partir de 1980, tivemos o surgimento da sociedade em rede, conectada pela internet, pela interface multimídia, hiper links, etc.. Diante deste novo paradigma, que revolucionou a forma da comunicação e da lógica racionalista do século XX - onde a natureza era nomeada, classificada e ordenada com o objetivo de conhecer e reconhecer o objeto-, temos a Sociedade em Rede. Esta “diminuiu”, “encurtou”, as distâncias entre os diferentes pontos do planeta: em qualquer lugar, os acontecimentos são transmitidos de imediato pela televisão, internet, etc, vistos simultaneamente por centenas de milhões de pessoas. A comunicação entre as pessoas também está cada vez mais rápida, fácil e sem barreiras, aproximando pelas estradas virtuais pessoas do mundo inteiro. O mundo se transformou em espaço convergente mais interelacionado. Assim, “uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação está remodelando a base material da sociedade em ritmo acelerado” (CASTELLS, 1999, p.21).
Esta revolução tecnológica causou e continua causando mudanças nas formas de se relacionar, de trabalhar, negociar, produzir, investir. Agora as informações são produzidas e comercializadas em escala mundial. De acordo com Castells (1999), “A revolução da tecnologia da informação foi essencial para a implementação de um importante processo de reestruturação do sistema capitalista a partir da década de 1980. No processo, o desenvolvimento e as manifestações dessa revolução tecnológica foram moldados pelas lógicas e interesses do capitalismo avançado, sem se limitarem às expressões desses interesses”. Afirma ainda, “(...) O informacionalismo está ligado à expansão e ao rejuvenescimento do capitalismo, como o industrialismo estava ligado a sua constituição como modo de produção” (p.31 e 37).
O momento atual é caracterizado pelo domínio completo das multinacionais e transnacionais que já detém o controle dos mercados do mundo todo. Os governos locais se tornaram, em certo ponto, subservientes aos ditames destas grandes corporações transnacionais.
Por meio de uma constante evolução tecnológica, principalmente na eletrônica e na informática, empresas globais operam em todos os países, produzem bens, serviços, narrativas, meios de comunicação impensáveis há apenas 50 anos. Assim, controlando a maior parte dos capitais existentes, essas empresas dispõem de uma avançada ciência e tecnologia, dominando e explorando Estados e regiões, países e povos do mundo inteiro, em busca de maximizar seus lucros.
A revolução tecnológica facilitou o gerenciamento de dados e acelerou o fluxo de informações em escala mundial. Assim, a informação passou a ser mercadoria, super valorizada para a geração de negócios lucrativos.
Este contexto de profundas transformações exige uma revisão de conceitos como: modernidade em contraposição ao contemporâneo pós-moderno; autoria individual, ante os coletivos digitais; comunicação científica tradicionalmente assentada em canais proprietários (copyright), diante da difusão dos open content, Open Access e repositórios abertos (copyleft); invisibilidade e anonimato do sujeito, ante a diluição da privacidade e a exposição exacerbada nos meios de comunicação de massa e na internet, relações verticais de poder, em oposição à horizontalidade das relações na web.
Diante desta nova configuração da sociedade em rede, muitos teóricos tem dedicado seus estudos no uso e impactos sociais e culturais das tecnologias, como também na invenção, no desenvolvimento e no design de tecnologias. As pesquisas sobre cibercultura no cenário mundial apresentam resultados como desigualdades no acesso a internet. Ainda existe grande desigualdade nos indicadores mundiais expresso pelas diferenças econômicas e sociais entre países do norte e do sul do planeta, e, e.g., no Brasil, zona rural e urbana.
A democratização da cibercultura ainda é um dos grandes desafios que se impõem aos dirigentes do mundo no novo século, para que não prolifere uma nova classe de excluídos, “os excluídos digitais”, com todas as sequelas sociais e políticas engendradas por tal marginalização.
Atualmente, diversos autores, em diferentes áreas do conhecimento, tem se dedicado a descrever, caracterizar e estudar as diferentes literacias (tradução literal do inglês literacy) geradas no contexto da sociedade em rede. Para Gilster, o termo “literacia digital” significa a habilidade de entender e utilizar a informação em múltiplos formatos e proveniente de diversas fontes quando apresentada por meio de computadores.
Outro autor que se dedica ao mapeamento das literacias é o profº Eshet-Alkalai, que criou um modelo de literacia digital que inclui as habilidades emocionais, sociológicas, motoras e cognitivas necessárias para comunicação em ambientes digitais. O autor as classifica em cinco grupos que cobrem as principais habilidades cognitivas e não cognitivas necessárias para se desenvolver em ambiente digital, a saber:
- Literacia foto visual, que se baseia na capacidade de decodificar interfaces visuais;
- Literacia do pensamento hipermídia, que envolve as habilidades de interagir com as estruturas não lineares e hipermidiáticas que caracterizam os ambientes on-line;
- Literacia da reprodução, que está ligada à necessidade de reproduzir essas estruturas;
- Literacia socioemocional, que está ligada às habilidades de compartilhamento de informações e emoções em rede; ligada ao engajamento social, participação e colaboração com a produção do conhecimento coletivo; e
- Literacia da informação, que engloba tanto o conhecimento dos recursos informacionais e a habilidade de identificá-los, localizá-los, avaliá-los, organizá-los, quanto o poder de recriá-los para resolver problemas.
A literacia, agora compreendida como conjunto de práticas sociais e não apenas como simples e específica habilidade cognitiva, depende de uma série de recursos, tais como: artefatos físicos; conteúdo relevante sendo transmitido por esses meios; habilidades apropriadas, conhecimento e atitudes por parte dos usuários; tipos mais adequados de suporte social e da comunidade. Assim, essa natureza multifacetada da literacia nos leva a compreender que a aquisição da literacia é uma questão não apenas cognitiva, mas também de cultura, poder e política.
No âmbito educacional, constata-se a necessidade do desenvolvimento da literacia digital nas unidades escolares. Estudos baseados em testes de avaliação da educação fundamental brasileira apontam a necessidade de projetos educacionais voltados para utilização da web e das redes sociais, tanto no universo da educação formal quanto no da educação para a cidadania. Estes precisam ser incentivados a fim da população menos privilegiada social e economicamente da sociedade em rede possam ter condições de competitividade globais, uma vez que as disparidades são enormes entre estudantes dos países desenvolvidos e aqueles dos países subdesenvolvidos.
Referências
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede – A era da informação: economia, sociedade e cultura. V. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
PASSARELLI, B. Literacias emergentes nas redes sociais: estado da arte e pesquisa qualitativa no Observatório da Cultura Digital. In: Atores em rede: Olhares Luso-Brasileiros. São Paulo : SENAC SP, 2010, p. 63-78.