Resenhas dos artigos
Postagem realizada em: 26/09/2021 às 19:42:28 - Última atualização em: 05/10/2021 às 15:11:43
Autor: Brenda Melo
A ONIPRESENÇA DA CIBERCULTURA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
JUNQUEIRA, Antonio Helio. PASSARELI, Brasilina. A Escola do Futuro (USP) na construção da cibercultura no Brasil: interfaces, impactos, reflexões. In: LOGOS, v. 34, n. 01, 1º semestre/2011, p. 63-75.
No artigo A Escola do Futuro (USP) na construção da cibercultura no Brasil: interfaces, impactos, reflexões, Junqueira e Passareli abordam as culturas midiáticas consequentes do surgimento da internet no Brasil e a relação de influência do uso da web sobre as interações e posicionamentos sociais do indivíduo, assim como o papel do Núcleo de Pesquisa das Novas Tecnologias Aplicadas à Educação Escola do Futuro (NAP EF/USP) como contribuinte para o campo acadêmico e para a sociedade através do desenvolvimento de projetos e pesquisas voltados para a análise da cibercultura.
Os autores apontam o desenvolvimento da web até o início da década de 2010, quando sua expansão se deu ao ponto de o país liderar o número de computadores nos lares (39%) e de acesso à internet (31%) na América Latina. Discorre-se, então, sobre as competências dos indivíduos no âmbito virtual, chamadas literacias digitais. As literacias traduzem-se não somente na aptidão dos usuários das redes de se comunicarem e interagirem entre si, como também no grau de desenvolvimento de suas habilidades motoras e cognitiva.
São apresentados alguns projetos de intervenção na educação e cidadania desenvolvidos pela NAP EF/USP (que realiza pesquisas relacionadas ao âmbito virtual e seus efeitos no cotidiano dos usuários desde a década de 1990) em parceria com outras instituições, visando o aumento significativo de plataformas virtuais de aprendizagem. Os projetos citados incluem o Programa AcessaSP, que visa a inclusão digital dos cidadãos paulistas em situação de carência; o Programa Rede EntreMeios São Bernardo do Campo que promove a incorporação das TICs na rede pública de ensino do município e o Programa Acessa Escola que busca não só aumentar a inclusão digital de alunos da rede pública estadual, como fomentar a autonomia de seu aprendizado. Indica-se, também, o crescimento de pesquisas científicas que buscam analisar a cultura digital, como O Observatório da Cultura Digital da USP, que tem produzido e publicado livros, coletâneas, relatórios analíticos, teses e dissertações e artigos científicos sobre o assunto. É ressaltado que ao mesmo tempo que se requer uma imersão neste universo, é preciso um certo distanciamento do olhar interpretativo da cibercultura. Tarefa árdua, visto que se faz a análise de um fenômeno dentro do mesmo tempo e espaço deste, acompanhando-o em suas constantes transformações. Tais pesquisas são pautadas na etnografia, buscando estudar os comportamentos dos agentes atuantes do mundo digital.
Os autores concluem que o NAP EF/USP é um importante agente dentro da trajetória da cibercultura no Brasil, em especial durante a primeira onda, em uma época em que se objetivavam as políticas de atenuação dos efeitos da exclusão digital. O NAP não só foi pioneiro no incentivo projetos provedores de equipamentos e infraestrutura digital, como também providenciou métodos para instrução de docentes quanto ao uso de recursos digitais. Na atualidade, em virtude das novas lógicas e interações desenvolvidas na Web 2.0, o NAP EF/USP foca suas pesquisas no mundo das redes sociais, procurando desvendar e interpretar esses fenômenos em tempo real.
Se quando foi publicado em 2011 o artigo já demonstrava a versatilidade do uso e da linguagem da Internet, dez anos depois esse aspecto mutável aumentou exponencialmente: com o surgimento de novas redes como o TikTok e a atualização constantes de ferramentas em redes já existentes como o Instagram e WhatsApp (o uso dos reels [1] e de figurinhas nas conversas) a linguagem da internet se modifica diariamente, refletindo na forma com que as pessoas interagem dentro e fora dela. O estudo desse fenômeno, conforme afirmado pelos autores, é uma difícil tarefa, pois deve-se acompanhar em tempo real as inúmeras transformações na forma de comunicação das redes. Novas gírias, memes[2] e trends[3] são compartilhados em uma velocidade absurda, e todas essas novidades acompanham a forma com que as pessoas se comunicam frente a frente. Junto a essas tendências, outro fenômeno que cresceu espantosamente foram as fake news, definidas pela Comissão Europeia como a desinformação intencional “criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente o público”.
Diante do uso em massa desses artifícios, especialmente no âmbito político, o artigo mostra-se extremamente útil ao afirmar a importância do desenvolvimento das competências de conhecimento do universo midiático e de sua avaliação crítica para que se fomente a capacidade interpretativa do indivíduo a fim de que ele se torne um cidadão ativo e consciente. Um ponto interessante a se acrescentar a este debate é o uso da edocomunicação como agente impulsionador do pensamento crítico do indivíduo, pois segundo Costa & Romanini (2019, p. 74) este campo busca “alfabetizar o público em relação aos meios de comunicação, explorando suas possibilidades discursiva e a forma como a tecnologia enforma e informa produtos e mensagens, permitindo diferentes interpretações do mundo que nos cerca”. Outra possível conexão a esta temática é a Alegoria da Caverna de Platão, na qual um homem acorrentado dentro de uma caverna escura se liberta e conhece o mundo exterior. Após esse contato ele pode retornar às trevas, porém nunca mais as enxergará da mesma forma, pois possuirá uma nova e alterada perspectiva do mundo ao seu redor. A mesma metáfora pode ser aplicada ao indivíduo que tem um contato enriquecedor com a Internet.
É interessante ressaltar que a segunda onda da Internet está sendo construída por indivíduos que já nasceram sob a era digital, avançando as etapas de adaptação a essas ferramentas e gerando uma relação totalmente singular com a web. Os adolescentes da geração Z são os principais produtores e disseminadores de conteúdo na Internet atualmente, além disso, essa é a geração que demonstra ser a mais consciente em relação a questões sociais e políticas, o que aparenta ter relação direta com a troca de conteúdos informacionais nas redes sociais. Para se comunicar com esse público, diversos profissionais buscam maior engajamento com a publicação de vídeos e fotos nas redes sociais, o que relaciona diretamente o âmbito profissional com as redes sociais de forma nunca vista antes. Apesar de ter sido publicado a dez anos, o artigo segue sendo relevante na atualidade por apresentar temáticas que ainda se aplicam à dinâmica da Internet, que segue crescendo em popularidade, e por reforçar sua fundamental função como ferramenta de produção, edição e propagação do conhecimento.
REFERÊNCIAS
ALEGORIA da Caverna. Wikipédia, 14 jul. 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria_da_Caverna. Acesso em: 20 set. 2021.
COSTA, Maria Cristina Castilho.; ROMANINI, Vinícius. A educomunicação na batalha contra as fake news. In: Comunicação & Educação, 2019, v. 24, n.2 , p. 66-77. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9125.v24i2p66-77. Acesso em: 20 set. 2021.
A PROBLEMÁTICA DA LEGITIMAÇÃO DE AUTORIDADE E INFORMAÇÃO NA WEB
PASSARELI, Brasilina. Do Mundaneum à WEB Semântica: discussão sobre a revolução nos conceitos de autor e autoridade. In: DataGramaZero, v.9, n.5, out/08.
O artigo Do Mundaneum à WEB Semântica: discussão sobre a revolução nos conceitos de autor e autoridade, Passarlei discorre sobre a história da Internet, creditando a ideia original à Paul Otlet, conhecido como o “pai” da web. Partindo de sua concepção até o momento atual, no século XXI, a autora aponta as três gerações da Internet, junto à revolução do conceito de autoridade com o seu advento, e das previsões para o futuro desta rede.
A autora reconhece Paul Otlet (1968-1944), como percursor da Internet. Fundador da Ciência da Documentação, da Classificação Decimal Universal e do Novel da Paz (este último junto a Henri La Fontaine), Otlet possuía o objetivo de criar uma rede de controle universal do conhecimento. Ele idealiza o Mundaneum, um museu inaugurado em 1910 para abrigar as fichas da CDU ? que chegaram a 70.000.000. Em 1919, as fichas passam a serem armazenadas nas salas do Palácio do Cinquentenário, sendo posteriormente desmanteladas e enviadas a diversas instituições. Em 1934, o projeto é encerrado; no mesmo ano Otlet publica o Traité de Documentation (Tratado de Documentação). Otlet foi um visionário que previu o acesso à bases de dados através de meios tecnológicos. Suas ideias eram inovadoras e conduzem diretamente aos dias atuais.
São apresentadas as três gerações da web: a Web 1.0, primeira versão e pouco utilizada criada por Tim Berners-Lee em 1989; a Web 2.0, era atual repleta de redes sociais, e, por fim, a Web 3.0, ou Websemântica, idealizada para possuir maior capacidade de busca e reconhecimento de dados através de metadados. Essa última ainda não existe devido à dificuldade de etiquetar todo o conteúdo online, entretanto, alguns projetos buscam avanço nesse sentido. Aborda-se, então, a questão complexa da autoridade na Internet, uma vez que é possível criar diferentes personas. Além disto, há o conflito gerado pela falta de peer review em artigos científicos, podendo deslegitimar a autoria, uma vez que essa validação se dá através de um consenso. Outro debate polêmico gira em torno da autenticidade das informações disponíveis na Wikipédia, dado que não existe um processo formal de edição e sua autoria coletiva. Diversas pesquisas foram feitas a respeito, não se chegando a uma conclusão definitiva. Mas, para o cofundador da enciclopédia livre, Jimmy Wales, a rede proporciona um “fascinante diálogo entre culturas”. Um fato inegável é que o uso do hipertexto nos tópicos da Wikipédia permite o acesso a uma infinidade de links que o suporte em papel não propicia, quebrando a linearidade da informação da forma que antes era conhecida. Diante desse fenômeno, George P. Landon sugere uma reconfiguração do autor, da narrativa e da escrita. Para sanar outra questão derivada do uso em massa das redes, o copyright, Ted Nelson, criador do termo hipertexto, desenvolve a ideia de transcopyright, onde uma publicação informativa mesclaria informações de terceiros usando trechos, porém com seu devido crédito.
O artigo é finalizado com uma previsão para o futuro da Internet, que indica o avanço do acesso à rede via celular, não somente referente à aplicativos de lazer, como também acesso a repositórios institucionais, bases de dados completas e revistas científicas eletrônicas.
Ao encerrar seu estudo com a frase “(...) reconfigura-se a noção de acervo, pois acessar também é possuir”, Passareli salienta o aspecto de mudança que a Internet incumbe às formas de consulta e ao conceito de posse informacional, o que pode ser atribuído também à produção de conhecimento. Isto é, não somente a forma de acesso à informação altera-se, revolucionando o conceito de consulta a acervos, como também a forma de elaboração e a concepção de autoria atualizam-se, demandando uma adaptação dos usuários.
Entretanto, as críticas de outros autores apresentadas a respeito da confiabilidade de redes como Wikipédia são válidas, dado que o próprio cofundador da enciclopédia virtual, Larry Sanger, alega o mesmo. Em entrevista ao podcast Lockdown TV ele diz “Você pode confiar que sempre contará a verdade? Bem, depende do que você acha que é a verdade”. Isso porque as informações ali postadas e editadas por milhares de pessoas ao redor do mundo sempre acabam por partir de um viés. Sanger exemplifica: “O artigo de Biden, se você olhar para ele, tem muito pouco a respeito das preocupações que os republicanos têm sobre ele. Então, se você quiser ter algo remotamente parecido com o ponto de vista republicano sobre Biden, não vai encontrar no artigo”. Enquanto a autoria institucional de enciclopédias físicas comumente conta com a colaboração de especialistas junto ao corpo editorial a fim de dar credibilidade à fonte de informação, a Wikipédia peca na falta de curadoria real e imparcial. Ainda assim, essa falha tem sido amenizada por diversos grupos de pesquisa e de universitários que buscam aprimorar os dados contidos nos verbetes da enciclopédia, ações que são incentivadas pelas Editatonas, maratonas de edição de conteúdos do site.
O artigo tem relevância por apontar o aspecto efêmero da Internet e as questões dela surgidas, como a credibilidade dos dados e o crédito autoral, que ainda hoje são debatidas. Além de, assim como Otlet previu o advento da web, prenunciar corretamente o avanço do uso de smartphones no que concerne ao acesso a fontes de informação acadêmicas.
REFERÊNCIAS
LIMA, Caique. Wikipédia é confiável? Cofundador dá opinião polêmica. In: Olhar Digital. 20 jul. 2021. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2021/07/20/internet-e-redes-sociais/cofundador-da-wikipedia-diz-que-o-site-nao-e-confiavel/. Acesso em: 21 set. 2021.
POLLO, Luiza. Como a Wikipédia foi de fonte pouco confiável a 'luz no fim do túnel'. In: TAB UOL. 07 mar. 2020. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/07/como-a-wikipedia-foi-de-fonte-pouco-confiavel-a-luz-no-fim-do-tunel.htm. Acesso em: 21 set. 2021.
[1] 'Bobina' em inglês, recurso do Instagram que permite o compartilhamento de vídeos curtos
[2] Imagens, textos, vídeos ou GIFS que viralizam ao utilizar de humor para fazer referência a diversos temas
[3] 'Tendências' em inglês, termo utilizado no TikTok para definir desafios, músicas, coreografias, tutoriais e dublagens em voga no aplicativo