Fontes de informação, de memória e de conhecimentos: um sucinto olhar para o início das revistas científicas
Postagem realizada em: 04/11/2021 às 00:12:47
Autor: Mª Clara da Silva
Continuando a pensar sobre a perpetuação da memória, bem como refletir sobre os comentários em aula e os conteúdos disponibilizados, a “evolução nos registros informacionais” ocasionou a curiosidade sobre a divulgação científica, mais precisamente em relação ao início dessa comunicação entre os diferentes âmbitos do conhecimento humano que se interligam a fim de desenvolver novas abordagens ou ainda ressaltar a necessidade de outros exercícios de observação para com as questões humanas. Assim sendo, buscar refletir sobre as fontes primárias e secundárias de informação e a relação à perpetuação do costume da divulgação das pesquisas cientificas.
Como visto no vídeo da Hartness Library, as fontes primárias e secundárias são diversas instâncias materiais do registro humano que podem auxiliar nas pesquisas e na compreensão sobre um determinado período, através do estudo desses materiais. Por fontes primárias podemos entender que “são relatos de primeira mão de um evento e são criados durante o período que tal evento aconteceu. Eles também podem ser criados retrospectivamente em uma data posterior por um participante desses eventos. Eles são documentos originais e geralmente não descrevem ou analisam outros documentos. Também podem ser trabalhos criativos. Alguns exemplos são: discursos, leis e documentos do tribunal; diários, memórias, autobiografias e cartas; trabalhos artísticos, romances e peças; observações documentadas, entrevistas, pesquisa original e dados; e jornais históricos.” (Hartness Library, 2017; tradução nossa); já as fontes secundárias “são escritas por estudiosos (as) ou observadores (as) depois do fato e são interpretações ou análises das fontes primárias ou de eventos. Estão a pelo menos um grau de descrição abaixo do que estão relatando. Alguns exemplos podem ser: livros didáticos, enciclopédias, ensaios, e revisões/avaliações; artigos de revistas ou periódicos que analisam eventos ou ideias; e livros que proporcionam um resumo de eventos ou sintetizam informações de muitas fontes primárias” (Hartness Library, 2017; tradução nossa).
Ao escolher a aproximação quanto ao início da comunicação cientifica, é preciso considerar sua historicidade. Pelo que se conhece, toma espaço no Renascimento europeu datado pelos séculos XV e XVI, no quais são permeados a troca cultural, política, social e científica, da vontade europeia de recuperação econômica através dos desenvolvimentos e inovações tecnológicas. Paralelamente as novas formas de organização das áreas do conhecimento, a atividade científica também passa a ser organizada em academias e sociedades por intelectuais interessados nas ciências. Tais sociedades envolveram-se na formalização dos colégios invisíveis – “redes informais de cientistas criadas pelo contato presencial e por correspondência privada, que constituíram um fator crucial para desenvolvimento das revistas científicas”. (BORREGO, 2017; p. 19, 20; tradução nossa)
As cartas privadas eram o principal veículo de comunicação dos descobrimentos científicos (KRONICK, 2001 apud BORREGO, 2017; p. 20; tradução nossa), mas como se tratavam de ligações pessoais, o círculo de contatos (naturalmente) era reduzido, mais lento e limitado. E quanto aos livros, mesmo que pudessem ser os meios mais adequados para apresentar a devida trajetória e resultados de experimentos ou observações, era necessário para a época, que houvesse um volume suficiente para justificar a publicação e o gasto de edições era extremamente exorbitante para que não houvesse mercado comprador suficiente. (JOHNS, 1998; p.447 apud BORREGO, 2017; p. 20; tradução nossa)
Diante desse cenário, é que vão surgir as primeiras revistas científicas: a francesa Jounal des sçavans (semanal) e a britânica Philosophical transactions (mensal), ambas datadas do ano de 1665. (BORREGO, 2017; p. 20;21; tradução nossa)
Fundada por Denis de Sallo, Journal de sçavans (ou numa tradução literal – jornal de estudiosos/sábios) foi publicado a primeira vez em 5 de janeiro de 1665, já com seus objetivos principais evidenciados: “a) catalogar e resenhar novidades editoriais; b) publicar obituários de personalidades importantes, destacando seus trabalhos; c) divulgar os resultados de experimentos da Física, Química e Anatomia, descrever invenções e registrar dados meteorológicos; d) citar as decisões principais dos Tribunais Civis e Religiosos; e e) passar para os leitores os sucessos dignos de curiosidade” (PORTER, 1964; p 218-219 apud BORREGO, 2017; p. 20; tradução nossa). E seguia dizendo que "tentaremos fazer com que tudo o que aconteça na Europa digno de curiosidade das pessoas letradas, possa ser aprendido com esta Revista" (MCKIE, 1979; p.8 apud BORREGO, 2017; p. 20-21; tradução nossa).
Quanto a inglesa Philosophical transactions (transações/relatórios filosóficos), incentivada por Henry Oldenburg que era secretario da Royal Society foi publicada a primeira vez em 6 de março de 1665. Possuía subtítulo que dizia “Oferecendo algum complemento aos presentes empreendimentos, estudos e trabalhos dos engenhosos em muitas partes consideráveis do mundo”, e excluía as questões legais e teológicas para centralizar-se no registro das observações e experimentos realizados pelos membros da Royal Society. A decisão pela publicação da revista aconteceu numas das reuniões da Instituição que, através de uma ata, menciona a necessidade dos artigos serem revisados (apontando já as raízes da revisão por pares sistematizada no século XIX). (Royal Society, 2015; p.4 / PORTER, 1964; p.221 apud BORREGO, 2017; p. 20-21; tradução nossa)
Apesar de ambas as ‘revistas’ serem muitas vezes consideradas praticamente gêmeas, é necessário lembrar que seus objetivos e princípios não eram exatamente similares (GUÉDON, 2001; p.5 apud BORREGO, 2017; p. 21; tradução nossa). Enquanto Sçavans *ocasionalmente* publicava artigos originais, “seu propósito centrava-se em informar acerca das novidades editoriais” e possuía mais “semelhanças com o emergente jornalismo científico”. Já a Philosophical funcionava como “um registro público das contribuições originais ao conhecimento, isto é, buscavam validar a originalidade”. (MCKIE, 1979; p. 9 apud BORREGO, 2017; p. 21; tradução nossa) No tocante a originalidade, a Royal Society tinha como uma de suas funções “por fim nas frequentes disputas entre autores quanto à prioridade das descobertas”, uma vez que “as acusações de plágio eram habituais e afetaram, por exemplo, de William Harvey, Isaac Newton, Robert Boyle a Edmond Halley” (JOHNS, 1998; p. 461 apud BORREGO, 2017; p. 21; tradução nossa). A solução foi a criação de um livro de registro no qual se anotam as descrições específicas e originais de técnicas, teorias, observações... além do nome do autor ser fixado com uma ficha, tal prática ainda é vivenciada através da anotação da data de recebimento dos manuscritos (BORREGO, 2017; p. 22; tradução nossa).
Semanalmente ou mensalmente, o que a publicação desses dois meios de comunicação – mesmo que possuíssem focos diferentes – nos faz apreciar é a rapidez e obsolescência que as ciências e suas observações acabam adquirindo e desenvolvendo. E junto com isso, também nos faz refletir sobre as características que fomentaram suas primeiras publicações (a procura por conteúdos relevantes e recentes, a atualização constante, a revisão por pares, o trabalho de se evitar plágios nos trabalhos científicos) terem sido precursoras das publicações atuais e de seus parâmetros fundamentais...
Para finalizar a contribuição poderíamos classificar alguns dos documentos aqui apreciados:
- Como fontes primárias, ou “relatos de primeira mão de um evento, criados durante o período que tal evento aconteceu”, a ‘revista’ precursora e responsável pelas publicações dos eventos originais da época seria a Philosophical transactions; as cartas dos estudiosos também são dignas de serem lembradas por aqui.
- Nas fontes secundárias, “escritas por estudiosos (as) ou observadores (as) depois do fato, interpretações ou análises das fontes primárias ou de eventos” seriam a Journal des Sçavans graças a suas publicações estarem ligadas a memorandos, resenhas, citações de decisões Jurídicas... Enfim, publicações posteriores aos eventos; a contribuição do livro de registro dos autores de manuscritos originais também é interpretada aqui como informação secundária.
Referências
BORREGO, Ángel. La revista científica: un breve recorrido histórico. 2017 In: Revistas científicas: situación actual y retos de futuro. Universitat de Barcelona, p. 19-34. [capítulo de livro]. Disponível em: http://eprints.rclis.org/32129/ Acesso em: 08 set. 2021
Primary vs. Secondary Sources. [S.l.: s. n.], 2017. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal Hartness Library. Disponível em: https://youtu.be/gStyna348M0. Acesso em: 31 ago. 2021.