Breve histórico dos discursos enciclopédicos nacionais


      Como bem apontado por Campello (et al., 1993;p. 44), o advento das ‘Enciclopédias gerais’ liga-se diretamente com a vontade de se ordenar o conhecimento humano, já as ‘enciclopédias modernas’ surgidas ao final do século XVII, vão conectar-se a objetivos educacionais. O exemplo ilustre que as autoras trazem a baia é a Encyclopédie Française, organizada por Denis Diderot, uma vez que “constitui o exemplo clássico da influência que as enciclopédias tiveram no processo de expansão cultural e educacional daquela época”.

      Embora atualmente seja mais rara a consulta direta as enciclopédias – devido ao surgimento de outra fonte informacional que é a Internet –, pelo texto de Campello (et al.,1993; p. 44) é possível relembrar que eram elas uma das fontes de informação com mais uso, variedade de informações e facilidade de consulta (graças a ordem alfabética) existentes nas bibliotecas públicas e escolares; e que eram elas também as mais utilizadas para pesquisas escolares segundo “professores, bibliotecários e pais de alunos”.

      Haja vista a importância da Enciclopédia como fonte de consulta refletiu-se sobre quais foram as iniciativas para publicações nacionais. Sucintamente, foi possível recuperar pelo trabalho de Nunes (2012) uma periodização das iniciativas, dos objetivos e dos discursos incutidos nas publicações enciclopédicas. No que segue:

  • Em 1939: houve a primeira tentativa da publicação de uma enciclopédia brasileira. Foi a partir de um anteprojeto elaborado por Mário de Andrade, na época funcionário do Instituto Nacional do Livro – Rio de Janeiro, encaminhado ao Ministro de Educação e Saúde, Gustavo Capanema (ANDRADE, 1993, p. 18 apud NUNES, 2012). O modelo adotado ao projeto assemelha-se com o das Britannica, Italiana e Brockhaus (alemã), aderindo a “uma geral objetividade realista, nada sentimental, que não dê opiniões nem palpites, nem tome partido”, e pela conjuntura nacionalista da época, visava “todas as classes” de um país com “pequena elite cultural, larga massa camponesa analfabeta e populações urbanas irregularíssimas em sua cultura”. Embora o projeto não tenha ido a diante, graças ao contato que Alarico Silveira (1878-1943), que trabalhava numa edição de cunho próximo, teve com a iniciativa, pôde planejar individualmente e publicar em 1958, a ‘Enciclopédia Brasileira’ de Alarico Silveira que possuía verbetes da letra A até Anzol-de-tenda.
  • De 1936 a 1960: a ‘Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira’ da Editorial Enciclopédia Ltda., foi publicada em Lisboa e no Rio de Janeiro. Quanto ao conteúdo, era como um “dicionário da língua comum de portugueses e brasileiros” e possuía duas partes (portuguesa e brasileira)  apresentando “verbetes sobre história, corografia, biografia, elementos da flora e fauna, direito, etc.” Tal iniciativa, da duplicidade entre Portugal e Brasil, relaciona-se “à memória da colonização, com a imagem de uma unidade de língua e de complementação com temas brasileiros”.
  • Em 1959: a ‘Enciclopédia Brasileira Mérito’ da editora Mérito, foi publicada em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegra e Recife, sendo a primeira concluída a apresentar-se como brasileira. Ela retornava “a combinação de dicionário e enciclopédia (na filiação ao Larousse Universal, 1865-76)” e nas “partes dedicadas à geografia e à fauna e flora”, trazia “definições concisas”. É a partir dessa iniciativa que se pode identificar a unidade nacional e utilização de outras tradições enciclopédicas em prol de construir a enciclopédia brasileira que não mais possuísse memória colonialista.
  • A partir dos anos 60: os projetos de enciclopédia apresentam perspectiva internacional, com tradução e adaptação de grandes nomes enciclopédicos como a ‘Larousse’, a ‘Britannica’ e a ‘Einaudi’;
  • -a editora Delta publica, no Rio de Janeiro, a ‘Enciclopédia Delta Larousse’, que especificava na folha de rosto que se tratava de “Tradução, adaptação e ampliação da última edição, inteiramente revista e atualizada, da Encyclopédie Larousse Méthodique par Paul Augé, Librairie Larousse-Paris, 1964”, ou seja, selecionaram a Enciclopédia Larousse Méthodique para traduzir e adaptar, introduzindo temas brasileiros;
  • -publicada no Rio de Janeiro e em São Paulo em 1964, a ‘Enciclopédia Barsa’ foi produzida pela Enciclopédia Britannica e possuiu escritores “brasileiros ou especialistas no país (quase 200 colaboradores)” e supervisão dos editores da Britannica, além de possuir autores renomados como Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Raquel de Queiroz, entre outros, que escreveram sobre cada estado. Em 1965, em decorrência do cenário da Guerra Fria, “foi publicada uma “edição especial da ‘Aliança para o Progresso’”, em uma colaboração desse Programa americano anti-comunista com o Ministério da Educação do Brasil.”;
  • A partir da década de 80: as enciclopédias voltadas tanto para público amplo quanto para o ensino se multiplicaram;
  • -publicada pela Bloch Editores em 1982, a ‘Enciclopédia Ilustrada do Brasil’ “mostra “o Brasil Grande a 120 milhões de brasileiros”. A obra é organizada em quatro sessões: “A terra e o homem”, “o mar brasileiro”, “Regiões culturais” e “Ocupação e integração do território”. Na introdução de Adolpho Bloch, menciona-se “dedicada equipe de jornalistas, fotógrafos, escritores, professores, técnicos e cartógrafos”.”;
  • -OBS: do gênero ‘ilustrada’ também teve a publicação pelos encartes dominicais da Folha de São Paulo em 1996 “a Nova Enciclopédia Ilustrada Folha – a Enciclopédia das Enciclopédias, com o melhor de Larousse, Cambidge, Oxford, Webster”;
  • -publicada em Lisboa pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda em 1984, e possuindo grande circulação no ambiente universitário brasileiro, a ‘Enciclopédia Einaudi’ (italiana) “é uma tradução portuguesa com reagrupamento dos conjuntos temáticos. Redigiram verbetes grandes autores especialistas. Por exemplo, para o primeiro volume, “Memória e História”, o historiador Jacques Le Goff foi autor de dez entradas (Memória, Documento/monumento, História, Calendário, etc.). Por conter verbetes extensos, científicos, com fontes e sugestões de leitura, títulos em diversas línguas, o leitor visado é um público intelectual, ligado às ciências e artes.”
  • Século XXI: permeado por transformações tecnológicas;
  • -Em 2001, com o advento da Wikipédia a “enciclopédia de acesso livre” – que possui 5 pilares: “enciclopedismo, neutralidade de ponto de vista, licença livre, convivência comunitária e liberalidade nas regras” –, sua consolidação como um dos sites mais acessados e a divulgação de seus outros projetos de acesso livre, houveram grandes transformações nas enciclopédias tradicionais. “Algumas deixaram de ser produzidas no formato impresso e uma boa parte tem se dedicado a projetos para o ensino. É o caso da Enciclopédia BarsaSaber (2012), publicada no Brasil, on-line, pela editora espanhola Editorial Planeta, em 2006, adaptada ao formato de hipertexto, com imagens, buscas temáticas, esquemas e links para “ajuda escolar”.”

      Através do breve histórico disposto, uma coisa é persistentemente inegável: se a iniciativa para redigir e publicar Enciclopédias relaciona-se diretamente com o grau de desenvolvimento econômico e cognitivo-educacional de cada país/território, o Brasil apresentou falta de incentivo financeiro e um déficit lamentável quanto a publicações de caráter diretamente nacionais, tendo seus maiores avanços a partir de integração a adaptações estrangeiras.

 


Referências

 

CAMPELLO, Bernadete; ANDRADE, Maria Eugênia A.; MEDEIROS, Nilcéia L. Enciclopédias publicadas no Brasil: estudo comparativo das enciclopédias Mirador, Barsa e Delta Universal. Ciência da Informação. Brasília, v. 22, n. 1, p. 44-52, 1993. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/516. Acesso em: 5 out. 2021.

NUNES, José Horta.  Para uma história do discurso enciclopédico no brasil. Resumo Expandido apresentado na XXVII ENANPOLL [2012]. Niterói: Instituto de Letras/UFF. Disponível em: https://www.labeurb.unicamp.br/anpoll/resumos/josehorta.pdf. Acesso em 04 de nov. 2021


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