Reflexões sobre o controle bibliográfico universal
Postagem realizada em: 05/12/2021 às 11:41:05
Autor: Olívia Campos
A quinta e última apresentação do ciclo de “Seminários Temáticos sobre Fontes de Informação” teve como tema controle bibliográfico e bibliografias. Mais especificamente quanto ao controle bibliográfico, para dar um panorama histórico desta atividade, o grupo recuperou o intelectual belga Paul Otlet (1868-1944) – considerado o “pai” da Documentação – que concebeu a realização de um controle bibliográfico universal e o colocou em prática através, dentre outras iniciativas, do Repertório Bibliográfico Universal (RBU).
O RBU foi idealizado como ferramenta para reunião e compartilhamento de informações sobre as publicações de todos os tempos, países e assuntos, independente do local onde estivessem fisicamente localizadas. O Instituto Internacional de Bibliografia redigiu, entre 1895 e 1930, mais de 12 milhões das famosas fichas de 12,5 por 7,5 centímetros, classificadas segundo o sistema de Classificação Decimal Universal (CDU) e armazenadas nas gavetas de arquivos (FUËG, 2003). Otlet levou tão longe a ideia do controle bibliográfico universal, que dedicou décadas de sua vida à construção de uma Cidade Mundial. Apesar dos esforços, parcerias – com destaque para o escultor Hendrik Andersen e o arquiteto Le Corbusier - articulações políticas, a tal cidade nunca foi edificada. É questão de lamentar-se ou comemorar?
Para além das críticas relativas à utopia e megalomania deste projeto, para Fuëg (2003), Otlet nunca se deu conta do perigo de conceder o monopólio dos assuntos culturais e científicos a uma única instituição e da face totalitária de sua visão utópica. A Cidade Mundial – Cidade Humana Superior dedicada à Paz (THE MAN, 2002) - reuniria as personalidades mais inteligentes, as quais conduziriam os demais à felicidade, em uma lógica de cada informação na ficha correta, cada ser humano no lugar certo. O ideal “A Paz pela Cultura” transformou-se paulatinamente no projeto “A Paz pela Ordem” e, em última análise, para Fuëg, é sem dúvida melhor que ela não tenha sido construída.
Trouxemos esta contextualização para delimitar o entendimento do perigo de concentrar-se o controle bibliográfico universal - do conhecimento - em um único local, organismo, instituição, e dialogar com a questão levantada no seminário, se “Um dia o ideal de Paul Otlet, de controle bibliográfico universal, será atingido?”. Parece-nos que, na esteira de Otlet, importantes instituições passaram a desempenhar, ao longo do século XX, a função de controle bibliográcio universal, apontaríamos para a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), IFLA (Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias) e mesmo para a LC (Library of Congress).
Todavia, a atual sociedade em rede parece demandar das instituições que lidam com o conhecimento, uma postura muito mais cooperativa que centralizadora. É o que observamos no campo da organização do conhecimento e das possibilidades colocadas pela web semântica, que permitem às instituições interoperarem suas ferramentas, complementando-se. Certamente que convivemos com outras utopias e ideologias, talvez a do acesso universal à informação através da conectividade em um contexto de monopólio das mesmas por conglomerados, os quais inclusive desafiam a soberania nacional.
Referências
FUËG, Jean-François. Ordo ab chaos: Classer est la plus haute opération de l’esprit. Transnational Associations/Associations transnationales, n. 1-2, Jun. 2003, p. 29-35. Disponível em: https://uia.org/sites/uia.org/files/journals/Transnational_Associations_Journal_2003-1-2_0.pdf. Acesso em: 27 jun. 2020.
THE MAN who wanted to classify the world. Françoise Levie. Bélgica: Memento Production, RTBF Charleroi, Sofidoc, Wild Heart Productions 2002. Vídeo. 60 minutos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=L9jgnU3V944. Acesso em: 27 jun. 2020.